terça-feira, 25 de março de 2014

Porta-voz da austeridade contra obras megalomaníacas Shigeru Ban vence o Pritzker: Famoso por obras de papel, recebe maior prêmio da arquitetura

Autor criou desenho de nova sede do Museu da Imagem e do Som, no Rio, mas perdeu para escritório dos EUA
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Um ano depois de dar ao japonês Toyo Ito o maior prêmio da arquitetura mundial, o júri do Pritzker acaba de anunciar outro nome do país asiático como grande vencedor deste ano. Shigeru Ban, famoso por suas estruturas em papel, é o eleito da vez.
"Receber esse prêmio é uma grande honra e, com isso, preciso ter cuidado", disse Ban, 56, em nota oficial divulgada pelo Pritzker. "Vejo o prêmio como estímulo para continuar a fazer o que faço sem mudar quem eu sou."
Desde os anos 1990, Ban vem ganhando cada vez mais reconhecimento mundial, em especial na ressaca da crise econômica, que paralisou as obras megalomaníacas que marcaram o início do século.
Suas construções de baixo impacto ambiental, ou seja, estruturas leves e descartáveis, viraram símbolo de uma onda de austeridade que varreu a arquitetura mundial.
Ele foi consultor das Nações Unidas para projetos em áreas afetadas por desastres. E sua obra é vista pelo prisma da ação humanitária.
Uma igreja escorada por colunas de papelão que ele construiu em Kobe, no Japão, virou uma espécie de manifesto arquitetônico depois do terremoto que arrasou aquela cidade em 1995.
Entre seus projetos de maior envergadura está a filial do Pompidou em Metz, no norte da França. Inspirada no formato de um chapéu, a construção de 2010 foi estruturada a partir de uma grelha ondulante de madeira e mantém a marca mais expressiva de Ban, a abertura total do espaço interno para o externo.
Na construção da obra, há seis anos, Ban disse em entrevista à Folha que aquele era seu projeto mais difícil. "Queria um prédio aberto ao público, não uma escultura estanque", disse Ban. "Era algo que envolvesse o entorno."
Ele projetou algo semelhante como proposta para a nova sede do Museu da Imagem e do Som, que está sendo construída no Rio, mas perdeu o concurso para o projeto enviado pela firma americana Diller Scofidio + Renfro.
Nos Estados Unidos, ele constrói a nova sede do Aspen Art Museum, projeto com galerias de vidro móveis.
Outra obra de grande impacto foi uma casa em Tóquio com cortinas no lugar das paredes, criando uma arquitetura fluida e aberta à cidade. A casa foi construída em 1995.
Folha, 25.03.2014
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Tempo bom: Eventos extremos no mundo e as mudanças climáticas

Não podemos mais dizer que não sabíamos que combustíveis fósseis e desflorestamento reforçam a ocorrência de eventos climáticos extremos
Dias de céu azul, sol forte e temperatura elevada são comumente percebidos como "tempo bom", pelo menos em locais onde a chuva é abundante. Será?
Experiência rara, o Sudeste do Brasil experimentou nesse verão de 2014 período de estiagem prolongado e calor extremo, gerando uma das mais severas anomalias climáticas registrada na região desde o início dos registros instrumentais, em meados do século passado.
Esta se deveu ao estabelecimento de uma intensa, persistente e anômala área de alta pressão atmosférica nos altos níveis da atmosfera sobre o oceano Atlântico, nas proximidades da região Sudeste.
O ar mais "pesado" inibiu o levantamento do ar desde a superfície, necessário para a formação das nuvens de chuva. Assim, o descenso do ar mais denso desde os altos níveis da atmosfera ocasionou a dissipação da nebulosidade e o aumento da insolação solar, que por sua vez provocou um aumento progressivo das temperaturas.
Ocorre que esse tipo de situação é uma feição climatológica de inverno, quando observamos os dias característicos de céu azul, mas nos quais o sol se encontra baixo no horizonte resultando em impacto moderado na temperatura. Já no caso presente, a circulação típica de inverno encontrou o sol a pino, resultando em excesso de radiação solar à superfície e pouca chuva.
Mas não estamos sós. Ingleses experimentam inundações generalizadas. Norte-americanos enfrentam ondas de frio polar. Australianos convivem com intensa onda de calor; ao mesmo tempo! Coincidência, diriam uns. Orquestração da natureza contra os abusos humanos em relação ao planeta, diriam outros.
O fato é que, gostando ou não, a frequência, intensidade e simultaneidade de eventos climáticos extremos vêm aumentando década após década mundialmente e no Brasil. E é justamente o despreparo para tal nova conjuntura do sistema climático global que nos aponta o relatório do pesquisador inglês sir Nicholas Stern como a maior e mais premente ameaça relacionada às mudanças ambientais globais.
No passado não muito distante, poderíamos encolher os ombros, escondendo-nos na desculpa de que "nós não sabíamos". Hoje, não mais. Sabemos que as alterações da composição atmosférica induzidas pelo consumo de combustíveis fósseis e desflorestamento tropical em grande escala são em parte responsáveis pelo aumento de eventos climáticos extremos.
Sabemos também que tais eventos, como os desse verão, constituem somente o tira-gosto de uma nova realidade do clima que se avizinha. Ao mesmo tempo, também aprendemos a partir de pesquisas minuciosas das relações entre as florestas tropicais do Brasil e a atmosfera que as árvores fazem parte do processo de geração de chuva, contribuindo para a estabilização do clima.
Assim, enquanto não podemos impedir os grandes movimentos da atmosfera global, como esse que ocasionou o longo período de estiagem sobre o Sudeste do Brasil, podemos e devemos manter os maciços florestais remanescentes não somente na Amazônia, mas também e principalmente os cinturões verdes ao redor das megacidades brasileiras. Com isso, não estaremos imunes aos extremos climáticos futuros, mas teremos contribuído para atenuar seus efeitos em nossas cidades.

terça-feira, 18 de março de 2014

Comida e inflação indomada

VINICIUS TORRES FREIRE
Economistas 'do mercado' chutam inflação mais alta em meio à especulação com preço da comida
A INFLAÇÃO sobe continuamente nas estimativas da centena de economistas ouvidos semanalmente pelo Banco Central do Brasil. Sobe desde o fim do ano passado, sobe neste ano. A inflação prevista para 2014 estava ontem em 6,11%.
Como a média dos preços, medida pelo IPCA, anda em torno de 6% faz meia década, não parece que tenha havido alguma mudança relevante. Porém, as estimativas de crescimento da economia são baixas para este ano e os juros subiram barbaramente. Ou seja, em tese seria razoável esperar inflação mais baixa adiante. Em tese: se não fossem outros tantos problemas presentes da economia.
De mais novo nessa história toda de preços há o inesperado aumento local e global de preços da comida. Alimentos em alta foram pedras recorrentes no sapato do Banco Central e podem ter sido um elemento menor do mau humor que se viu em meados do ano passado no Brasil.
Como se recorda, pouco antes de o "gigante acordar", os brasileiros faziam piada um tanto irritada com o preço extravagante do tomate, talvez uma metáfora da inflação acumulada da comida. Em março, abril de 2013, auge do zum-zum do tomate, o preço de comer em casa havia subido quase 14% nos 12 meses anteriores, uma corrida que então não se via desde 2008.
Seja com for, nem o povo nem um governo candidato à reeleição gostam de preços em alta, desculpe-se a obviedade. Há um zum-zum internacional sobre o risco de uma nova onda de inflação da comida. Até o "Financial Times", o diário econômico britânico, deu reportagem sobre a carestia do café da manhã deles: café, carne de porco, trigo, laticínios, suco de laranja, tudo está mais caro.
Essa conversa vai durar? Pode ter efeitos nos juros do Brasil?
Há seca no centro-sul do Brasil e agora cheias no Centro-Oeste, mas não se sabe ainda o efeito concreto e duradouro desses problemas nos preços, como se escrevia anteontem nestas colunas. No atacado, os preços estão subindo.
Houve frio demais nos Estados Unidos, o que prejudicou a colheita de grãos, além de seca na Califórnia, uma epidemia entre porcos e um alta grande de exportações de laticínios (sic), devorados pela Ásia. Secas do Oriente Médio à Austrália podem danar ainda mais a produção de comida básica.
Há crise na Ucrânia, no centro de uma região que é grande produtora de grãos. Por enquanto, porém, a alta do trigo ora deve-se apenas à especulação financeira com os efeitos dessa crise, que hoje tinha um jeitão de terminar em pizza (mais cara, devido à alta dos preços de trigo e queijo).
Antes do fim de fevereiro, o departamento ("ministério") da Agricultura americano previa a queda do preço global dos grãos para o menor nível em cinco anos. Depois disso, houve revisões da previsão do tamanho das safras americana e brasileiras, as gigantes do mercado, mas ainda assim para níveis de produção maiores que os do ano passado.
O Banco Central reduzindo o ritmo do aperto monetário, subindo ainda os juros, mas menos a cada rodada. Mas dá a impressão de que pode esticar a campanha de alta das taxas, caso a inflação engrosse.
Não se sabe muito bem o rumo de preços e juros. Mas há oportunidade de especulação.
Folha, 18.03.2014.

    terça-feira, 11 de março de 2014

    Ilegalidade devasta florestas hondurenhas

    Por ELISABETH MALKIN
    COPÉN, Honduras - Nove homens retiravam mogno da floresta quando Alonso Pineda e seu filho apareceram portando espingardas. Os dois são alvo de um mandado de prisão por desmatamento ilegal. "Esta é uma propriedade privada, e essa árvore é contrabando", gritou Pineda.
    As alegações de Pineda eram falsas, presumivelmente parte de um ardil para ele mesmo se apoderar da madeira. Na realidade, os homens que cortavam a árvore naquele dia são de uma cooperativa legal que faz o manejo da floresta há quase 15 anos e tem acordos com o governo, que incluem permissões para retirar o valioso mogno, deixando o restante das matas intacto.
    "Você vai ter que me matar para que eu saia daqui", respondeu um dos homens. Outro acionou uma serra portátil. A dupla de foras da lei sumiu entre as árvores.
    Segundo moradores e especialistas, Pineda já liderou colonos na derrubada de árvores para substituí-las por milharais e pastagens, que eventualmente podem ser vendidas. As comunidades que conservam a floresta, que é propriedade do Estado, dizem estar perdendo seu meio de subsistência devido a tais incursões. "Nós temos os direitos, mas não conseguimos exercê-los porque não há lei", disse Eliberto Barahona, presidente da Brisas de Copén, uma das várias cooperativas que atuam legalmente no Parque Nacional Sierra Río Tinto. "Não há apoio e estamos desprotegidos."
    O Estado de direito sempre foi frágil em Honduras, mas, desde um golpe em 2009, ele se desintegrou ainda mais rapidamente, sob a pressão da corrupção e do tráfico de drogas.
    Há muito tempo, madeireiras ilegais, criadores de gado e especuladores fundiários devastam essa região do leste do país. Agora que Honduras virou caminho para o envio de drogas aos EUA, há mais dinheiro para pagar invasores de terras, que derrubam a floresta para atividades como pecuária, que podem servir para "lavar" o dinheiro das drogas.
    Mais de uma década e considerável apoio internacional foram necessários para que Copén e alguns outros vilarejos na orla da reserva de biosfera de 526 mil hectares de Río Plátano se tornassem modelos de conservação florestal. O governo hondurenho permite que as comunidades locais do Vale Sico-Paulaya vendam uma quantidade limitada de mogno da floresta, dando-lhes um incentivo para protegê-la e manejá-la durante anos.
    Em Copén, o manejo florestal permitiu arcar com uma microusina hidrelétrica e melhorias em escolas.
    O novo presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, prometeu agir com mão de ferro no combate ao tráfico de drogas e à ilegalidade, mas silvicultores dizem que essa abordagem não contempla o problema subjacente.
    Mesmo que as autoridades prendam os Pineda, não há garantia de que um juiz os manterá na cadeia. "É provável que esse tipo de homem tenha alguém muito poderoso economicamente por trás dele", disse Filippo Del Gatto, que ajudou a montar as primeiras cooperativas na década de 1990.
    Um ano atrás, Carlos René Romero, um dos principais diretores do Instituto Florestal Nacional, foi assassinado em sua casa na capital, Tegucigalpa. Ele era um respeitado especialista em florestas e tinha fama de fazer cumprir a lei. Ninguém foi detido pelo crime.
    As autoridades locais se sentem impotentes. Anibal Duarte, prefeito de Iriona, o município que abrange a área, disse ter encontrado uma unidade militar ambiental, mas que os comandantes eram trocados frequentemente e nada faziam. "As estratégias não funcionaram", disse Duarte. "Certamente precisamos de outra estratégia, mas não sei qual seria."
    NYT, 11.03.2014
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