terça-feira, 18 de novembro de 2014

Geoengenharia propõe soluções para o clima: Ideias para combater o aquecimento global dividem especialistas

Manipulação do clima pode causar efeitos indesejados

Por HENRY FOUNTAIN
UTRECHT, Holanda - Para Olaf Schuiling, a solução para o aquecimento global está sob nossos pés. Schuiling, geoquímico aposentado, acredita que a salvação climática está na olivina, mineral de tonalidade verde abundante no mundo inteiro. Quando exposta aos elementos, ela extrai lentamente o gás carbônico da atmosfera.
A olivina faz isso naturalmente há bilhões de anos, mas Schuiling quer acelerar o processo espalhando-a em campos e praias e usando-a em diques, trilhas e até playgrounds. Basta polvilhar a quantidade certa de rocha moída, diz ele, e ela acabará removendo gás carbônico suficiente para retardar a elevação das temperaturas globais. "Vamos deixar a Terra nos ajudar a salvá-la", disse Schuiling, 82, em seu gabinete na Universidade de Utrecht.
Ideias para combater as mudanças climáticas, como essas propostas de geoengenharia, já foram consideradas meramente fantasiosas.
Todavia, os efeitos das mudanças climáticas podem se tornar tão graves que talvez tais soluções passem a ser consideradas seriamente.
A ideia de Schuiling é uma das várias que visam reduzir os níveis de gás carbônico, o principal gás responsável pelo efeito estufa, de forma que a atmosfera retenha menos calor.
Outras abordagens, potencialmente mais rápidas e viáveis, porém mais arriscadas, criariam o equivalente a um guarda-sol ao redor do planeta, dispersando gotículas reflexivas na estratosfera ou borrifando água do mar para formar mais nuvens acima dos oceanos. A menor incidência de luz solar na superfície da Terra reduziria a retenção de calor, resultando em uma rápida queda das temperaturas.
Ninguém tem certeza de que alguma técnica de geoengenharia funcionaria, e muitas abordagens nesse campo parecem pouco práticas. A abordagem de Schuiling, por exemplo, levaria décadas para ter sequer um pequeno impacto, e os próprios processos de mineração, moagem e transporte dos bilhões de toneladas de olivina necessários produziriam enormes emissões de carbono.
Muitas pessoas consideram a ideia da geoengenharia um recurso desesperado em relação à mudança climática, o qual desviaria a atenção mundial da meta de eliminar as emissões que estão na raiz do problema.
O clima é um sistema altamente complexo, portanto, manipular temperaturas também pode ter consequências, como mudanças na precipitação pluviométrica, tanto catastróficas como benéficas para uma região à custa de outra. Críticos também apontam que a geoengenharia poderia ser usada unilateralmente por um país, criando outra fonte de tensões geopolíticas.
Especialistas, porém, argumentam que a situação atual está se tornando calamitosa. "Em breve poderá nos restar apenas a opção entre geoengenharia e sofrimento", opinou Andy Parker, do Instituto de Estudos Avançados sobre Sustentabilidade, em Potsdam, Alemanha.
Em 1991, uma erupção vulcânica nas Filipinas expeliu a maior nuvem de gás anidrido sulforoso já registrada na alta atmosfera. O gás formou gotículas de ácido sulfúrico, que refletiam os raios solares de volta para o Espaço. Durante três anos, a média das temperaturas globais teve uma queda de cerca de 0,5 grau Celsius. Uma técnica de geoengenharia imitaria essa ação borrifando gotículas de ácido sulfúrico na estratosfera.
David Keith, pesquisador na Universidade Harvard, disse que essa técnica de geoengenharia, chamada de gestão da radiação solar (SRM na sigla em inglês), só deve ser utilizada lenta e cuidadosamente, para que possa ser interrompida caso prejudique padrões climáticos ou gere outros problemas.
Certos críticos da geoengenharia duvidam que qualquer impacto possa ser equilibrado. Pessoas em países subdesenvolvidos são afetadas por mudanças climáticas em grande parte causadas pelas ações de países industrializados. Então, por que elas confiariam que espalhar gotículas no céu as ajudaria?
"Ninguém gosta de ser o rato no laboratório alheio", disse Pablo Suarez, do Centro do Clima da Cruz Vermelha/Crescente Vermelho.
Ideias para retirar gás carbônico do ar causam menos alarme. Embora tenham questões espinhosas -a olivina, por exemplo, contém pequenas quantidades de metais que poderiam contaminar o meio ambiente-,elas funcionariam de maneira bem mais lenta e indireta, afetando o clima ao longo de décadas ao alterar a atmosfera.
Como o doutor Schuiling divulga há anos sua ideia na Holanda, o país se tornou adepto da olivina. Estando ciente disso, qualquer um pode notar a presença da rocha moída em trilhas, jardins e áreas lúdicas.
Eddy Wijnker, ex-engenheiro acústico, criou a empresa greenSand na pequena cidade de Maasland. Ela vende areia de olivina para uso doméstico ou comercial. A empresa também vende "certificados de areia verde" que financiam a colocação da areia ao longo de rodovias.
A obstinação de Schuiling também incitou pesquisas. No Instituto Real de Pesquisa Marítima da Holanda em Yerseke, o ecologista Francesc Montserrat está pesquisando a possibilidade de espalhar olivina no leito do mar. Na Bélgica, pesquisadores na Universidade de Antuérpia estudam os efeitos da olivina em culturas agrícolas como cevada e trigo.
Boa parte dos profissionais de geoengenharia aponta a necessidade de haver mais pesquisas e o fato de as simulações em computador serem limitadas.
Poucas verbas no mundo são destinadas a pesquisas de geoengenharia. No entanto, até a sugestão de realizar experimentos em campo pode causar clamor popular. "As pessoas gostam de linhas bem demarcadas, e uma bem óbvia é que não há problema em testar coisas em um computador ou em uma bancada de laboratório", comentou Matthew Watson, da Universidade de Bristol, no Reino Unido. "Mas elas reagem mal assim que você começa a entrar no mundo real."
Watson conhece bem essas delimitações. Ele liderou um projeto financiado pelo governo britânico, que incluía um teste relativamente inócuo de uma tecnologia. Em 2011, os pesquisadores pretendiam soltar um balão a cerca de um quilômetro de altitude e tentar bombear um pouco de água por uma mangueira até ele. A proposta desencadeou protestos no Reino Unido, foi adiada por meio ano e, finalmente, cancelada.
Hoje há poucas perspectivas de apoio governamental a qualquer tipo de teste de geoengenharia nos EUA, onde muitos políticos negam sequer que as mudanças climáticas sejam uma realidade.
"O senso comum é que a direita não quer falar sobre isso porque reconhece o problema", disse Rafe Pomerance, que trabalhou com questões ambientais no Departamento de Estado. "E a esquerda está preocupada com o impacto das emissões."
Portanto, seria bom discutir o assunto abertamente, afirmou Pomerance. "Isso ainda vai levar algum tempo, mas é inevitável", acrescentou. NYT, 18.11.2014.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

EUA e China anunciam acordo climático



Chineses se comprometem a desacelerar emissões antes de 2030, e EUA querem cortar 26% do seu CO2 até 2025


Nos EUA, acordo não precisa ir ao Congresso, mas republicanos, agora com maioria também no Senado, já reclamam
MARCELO NINIODE PEQUIM
Após meses de negociações sigilosas, China e EUA alcançaram um acordo sem precedentes para reduzir emissões de gases poluentes.
Tal feito deve energizar o esforço para concluir um acordo global sobre mudança climática em 2015.
O anúncio foi feito nesta quarta (12), na conclusão da visita à China do presidente americano, Barack Obama. Ao lado do líder chinês, Xi Jinping, Obama classificou o acordo como "histórico".
A China se comprometeu a atingir o ápice de suas emissões de CO2 no máximo até 2030, quando então elas deverão começar a cair. Para isso, o país pretende investir para que 20% de sua energia tenha origem em fontes não poluentes.
É a primeira vez que a China, país que mais polui no mundo, estabelece uma data para que suas emissões de CO2 parem de aumentar. Juntos, China e EUA são responsáveis por mais de 40% do dióxido de carbono emitido em escala global.
Os EUA, por sua vez, assumem o compromisso de reduzir as emissões em 2025 entre 26% e 28% em relação a 2005. A nova meta é mais ambiciosa que a estabelecida anteriormente por Obama, de um corte de 17% até 2020.
ACORDO GLOBAL
"Como as duas maiores economias e os maiores consumidores de energia e emissores de gases-estufa, temos uma responsabilidade especial de liderar o esforço global contra a mudança climática", disse Obama.
O anúncio permitiu um desfecho positivo para a visita de Obama à China, cercada por uma série de divergências e competição crescente entre as duas economias.
Ambos os líderes destacaram a importância do entendimento para encorajar outras grandes economias a chegar a um acordo ambicioso na 21ª COP (conferência mundial do clima) de Paris, em 2015 --antes disso, ocorre a 20ª COP, no Peru, no começo de dezembro deste ano, onde as bases desse acordo começarão a ser negociadas.
Xi Jinping disse explicitamente que o compromisso assumido pelos países serve para "assegurar que as negociações internacionais sobre as alterações climáticas irão chegar a um acordo".
No mês passado, a União Europeia também anunciou suas metas, comprometendo-se a reduzir em 40% as emissões até 2030, em relação a 1990. O bloco europeu é responsável por 11% das emissões mundiais de CO2.
Apesar do otimismo demonstrado por Xi e Obama, os dois líderes terão que vencer resistências domésticas para cumprir as metas.
Nos EUA, as recentes eleições legislativas deram o controle do Senado ao opositor Partido Republicano, que também aumentou sua maioria na Câmara.
O acordo não precisa passar por aprovação do Congresso, mas as críticas não tardaram. "Esse plano irrealista que o presidente empurrará para o seu sucessor vai garantir apenas impostos mais altos e menos emprego", atacou o líder republicano no Senado, Mitch McConnell.
A China tem obstáculos ainda maiores. Num momento de desaceleração, o governo tenta implementar reformas sem criar desemprego e instabilidade social.
Embora seja o país que mais investe em energias renováveis, a China ainda luta para diminuir sua forte dependência do carvão. Mais barato do que outras fontes de energia, ele gera 65% da eletricidade usada no país.
As metas anunciadas por Xi e Obama são importantes como um sinal de esforço conjunto, mas poderiam ser mais ambiciosos, diz Wang Tao, especialista em clima do Centro Carnegie-Tsinghua de Política Global.
"O compromisso com as metas é claro", afirmou à Folha. "O desafio é alinhar a preocupação de curto prazo com o crescimento econômico e a de longo prazo, que é preservar o meio ambiente." Folha, 13.11.2014.
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Despertar dos gigantes ameaça protagonismo do Brasil na área

RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO
Se o pacto climático entre China e EUA tiver o efeito previsto, os dois países devem deixar de travar as negociações do almejado acordo global. Nesse cenário, reduzem-se as chances de o Brasil seguir protagonista na área.
Na última vez em que chefes de Estado se reuniram para tentar chegar a um acordo, em 2009, o Brasil estava em ritmo acelerado de redução do desmatamento (sua principal fonte de CO2) e prometia reduzir até 39% de seu CO2 projetado para 2020.
A promessa deixava o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vontade para cobrar ação de outras nações. Seu discurso foi aplaudido como poucos durante aquele encontro em Copenhague.
Agora, porém, o país está numa condição diferente.
Mesmo que honre a promessa, o Brasil corre o risco de chegar à cúpula de Paris, em 2015, com as emissões em curva ascendente. E enquanto chineses e americanos falam em objetivos para 2030, o Brasil dá sinais de que repetirá sua intenção para 2020.
Ainda que o pacto sino-americano seja mais uma carta de intenções que um acordo vinculante e ainda que ele seja insuficiente para evitar um aquecimento global de 2ºC, considerado perigoso, a proposta chinesa de atingir 20% de energia renovável até 2030 é muito ambiciosa.

Enquanto isso, o Brasil, que tem hoje respeitáveis 40% de sua matriz energética (incluindo indústria e transporte) calcada em fontes renováveis, sinaliza uma aceleração do consumo de combustíveis fósseis. E não há como almejar um corte de emissões tão significativo quanto o chinês cuidando apenas do problema do desmatamento. Folha, 13.11.2014.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

'Nova geração de empresários percebe risco para o clima'

Para ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland, setor privado já vê oportunidades surgindo do combate ao aquecimento

MARCELO LEITEDE SÃO PAULO
Gro Harlem Brundtland, 75, poderia ser chamada de "mãe do desenvolvimento sustentável". A expressão, hoje de uso corrente em ambientalismo, foi cunhada em 1987 na declaração "Nosso Futuro Comum", o chamado "Relatório Brundtland".
A médica e diplomata que se tornou primeira-ministra da Noruega foi convidada pela ONU para presidir a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Lá, definiu-se o desenvolvimento "sustentável" como aquele "que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades".
Quase três décadas depois, Brundtland diz que isso deixou de ser abstração. "Foi necessária uma geração inteira de aprendizado, de conscientização, de eventos meteorológicos e outros sinais concretos de mudança dramática para reverter a maré, no sentido da noção de que não há rota alternativa à frente."
Brundtland fala nesta quarta (1º) em palestra da série Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, com ingressos esgotados. Ela elogia o Brasil pela redução do desmate e se diz otimista quanto a um acordo global sobre o clima, a ser fechado em Paris no fim de 2015.
Folha - A agenda da mudança do clima perdeu impulso depois da crise de 2008. A sra. acredita que a Cúpula de Nova York ajudou a reverter essa tendência, mesmo sendo uma discussão mais informal?
Sim, acredito. Formal ou informal não é a questão. O que importa é o que os líderes dos países estão dispostos a fazer, porque os negociadores não são os líderes. Eles são pessoas em nível ministerial ou subministerial às vezes. Todos eles dependem dos processos de decisão de seus países, que por sua vez depende do que os líderes executivos ou seus parlamentos estão dispostos a fazer. Tudo isso é um processo complicado e varia de país para país. Então, é importante reunir essas pessoas, como fez o secretário-geral da ONU.
Relatórios recentes sobre a economia da mudança obtiveram mais repercussão na comunidade empresarial do que a "Revisão Stern", de 2007. Por quê?
O recente relatório "Crescimento Melhor, Clima Melhor" impressionou muita gente. Ficou claro que há muitos mais no setor privado que agora enxergam oportunidades, não apenas necessidade, em se adotar soluções de baixo carbono.
Eles demandaram que se atribua um preço ao carbono, pediram um esclarecimento dos governos sobre regulação futura, estavam impacientes, pedindo mais ação. Sim, acredito que uma nova geração de líderes empresariais se deu conta dos riscos de não se converter a uma abordagem amigável ao clima.
O problema que ainda emperra as discussões sobre um acordo global de redução de emissões é a oposição entre países ricos com longo histórico de emissões e os emergentes grandes emissores?
Isso ainda não foi solucionado. Francamente, o que está acontecendo é que todos estão contando com esses movimentos de baixo para cima, com países declarando o que estão dispostos a prometer em plano nacional. Depois, soma-se tudo para ver o quão distantes estamos de onde precisamos estar. E estamos muito longe. Essas declarações precisam melhorar. E isso se aplica tanto aos países ricos quanto a os pobres.
Está otimista com a Conferência de Paris, em 2015?
Paris precisa dar um grande salto à frente! Muitos países estão impondo condicionalidades do tipo: "A menos que se prometa tanto em financiamento para adaptação e mitigação em países pobres, não estamos dispostos a prometer nada". Há muitas condicionalidades na mesa de negociação e é preciso saber a posição de cada país --mesmo aquelas posições que são apenas sussurradas', que não são divulgadas publicamente. É preciso aumentar a soma de promessas, de modo que os negociadores tenham chance de fazer algo até dezembro do ano que vem, para finalizar em Paris algo que realmente vá funcionar. Folha, 01.10.14
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terça-feira, 23 de setembro de 2014

O concreto pede água

Japonês Shigeru Ban abre seminário em SP que debaterá recursos hídricos e arquitetura sustentável

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Uma arquitetura que seja sustentável não costuma casar com noções de luxo e glamour. Mas desde que a crise econômica que se arrasta há seis anos tornou cafona a ostentação em projetos mirabolantes, a onda verde pegou.
Rendeu um Pritzker, o maior prêmio da arquitetura, ao japonês Shigeru Ban, conhecido por suas obras em papel, madeira e outros materiais renováveis, e fez até Brad Pitt bancar uma fundação para a construção sustentável.
Ban e dois dos arquitetos --Lars Krückeberg e Tim Duggan-- que trabalham na fundação Make It Right, de Pitt, participam nesta semana do seminário Arq.Futuro, em São Paulo, onde vão falar da gestão de recursos hídricos.
Em plena seca que castiga várias cidades brasileiras, o tema político desbancou questões mais formalistas, como a discussão sobre tendências na arquitetura, ao mesmo tempo em que se firma como uma tendência em si.
Quando Ban, que deve abrir o encontro, venceu o Pritzker em 2013, um sócio da arquiteta Zaha Hadid, também vencedora do prêmio e famosa por projetos extravagantes, tuitou inconformado que o "politicamente correto" estava dominando a área.
Mas não é bem assim. Se é fato que Ban tem um histórico de ceder desenhos para esforços humanitários, ajudando a criar abrigos temporários na Ruanda pós-guerra civil e na Nova Orleans devastada pelo furacão Katrina, ele também tem um pé na ostentação.
Seu projeto mais recente, o Museu de Arte de Aspen, inaugurado na meca do esqui americano em agosto, foi criticado pelo uso apenas decorativo de suas soluções estruturais recicláveis, como as vigas de papel reforçado, que ali não sustentam o prédio, mas servem de adorno.
Da mesma forma que sua filial do Pompidou em Metz, na França, também usa estratégias parecidas. Ou seja, o sustentável já virou fetiche e arrisca se esgotar como tendência em vez de se firmar como uma solução na arquitetura.
"Achamos de verdade que todos deveriam viver felizes em comunidades verdes, mas muita gente só quer sair abraçando árvores", diz Tim Duggan, da Make It Right. "Só que como isso não faz sentido para os banqueiros, procuramos fazer algo sustentável também do ponto de vista econômico."
Ele reconhece que ter Brad Pitt como dono e garoto propaganda da fundação ajuda a executar os projetos, que começaram pela revitalização de Nova Orleans. "O Brad empresta seu carisma e também o talão de cheques", diz.
Mas frisa que os projetos estão ancorados em estudos dos lugares onde trabalham, em especial o comportamento da água nessas cidades, do tratamento do esgoto à absorção da chuva pelo solo.
Fora do campo arquitetônico, o artista Caio Reisewitz lança durante o encontro com uma nova série fotográfica em que registra a crise de abastecimento da água em São Paulo, com imagens aéreas das represas que servem a cidade feitas nas últimas semanas.
Ele imprimiu as fotos com as cores invertidas, enfatizando os tons de vermelho nas represas esvaziadas. "Assumi o lado negativo das imagens, mas não faço isso para entrar no debate eleitoral. Essas questões sempre estiveram no meu trabalho", diz Reisewitz.
ANÁLISE

Arquitetura sustentável já deixou o nicho ecologista

RAUL JUSTE LORESEM NOVA YORK
É oportuno que o tema deste Arq.Futuro seja a água. Enquanto descobertas de petróleo pipocam por todo o mundo e nem a crise no Oriente Médio faz seu preço disparar, a água se torna um bem cobiçado e raro. Na Califórnia, a seca prolongada guia diversas mudanças permanentes em como o Estado taxa e regula o uso da água.
Arquitetura sustentável, como marca, é marketing velho: hoje toda arquitetura precisa pensar em um mundo de recursos naturais mais escassos e de mudanças climáticas.
Felizmente, há melhores condições de vida para milhões de pessoas mundo afora, especialmente na Ásia e na África, graças à globalização, mas todas essas novas bocas comendo (e consumindo) mais significa que o impacto humano sobre o planeta vai aumentar.
Racionalidade versus desperdício também deve guiar toda a arquitetura, não a apenas apelidada de "verde".
Vários debates desta edição do Arq.Futuro provam que o assunto já deixou as fronteiras do "nicho" ecologista.
A inundação provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, em 2005, gerou um desafio de como se construir casas em áreas de enchentes constantes. A ONG Make It Right, que participa do evento, conseguiu atrair diversos arquitetos que vieram com soluções muito além das casas suspensas, com o térreo bem elevado.
Houve pesquisa e uso de concreto poroso para absorver a água das chuvas, coberturas verdes, novos sistemas de ventilação, encanamento, ventilação e aquecimento previstos no design. Essas pesquisas podem ser disseminadas muito além de Nova Orleans.
Um dos arquitetos participantes do Make It Right, o japonês Shigeru Ban, também estará em São Paulo --ele foi um dos pioneiros em trabalhar com materiais recicláveis e baratos, de tubos de papelão a bambu, em áreas afetadas por desastres naturais e tem muito a dizer.
A devastação provocada pela supertempestade Sandy em Nova York, em 2012, com a alta do nível do mar, guia pesquisas de Alexandros Washburn, que foi diretor de design urbano durante a gestão do prefeito novaiorquino Michael Bloomberg e fala nesta quarta (24) no evento.
Mas nem sempre a boa arquitetura vem acompanhada de bom urbanismo: as belas casas sustentáveis de Nova Orleans formam um bairro exclusivamente residencial e bem afastado do centro da cidade, mantendo a suburbanização existente pré-Katrina.
Para ir ao trabalho ou fazer compras, seus moradores continuam a depender de longas (e nada sustentáveis) viagens de carro. Folha, 23.09.2013.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Empresas darão força a acordo climático global: PARA CHEFE DO PAINEL DO CLIMA, SETOR PRIVADO VAI PERCEBER QUE O CUSTO DA INAÇÃO CONTRA O AQUECIMENTO É ALTO DEMAIS

ENTREVISTA - RAJENDRA PACHAURI

MARCELO LEITE - DE SÃO PAULO

O engenheiro eletromecânico indiano Rajendra Kumar Pachauri, 74, ganhou fama mundial à frente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na abreviação em inglês), que preside há 12 anos. Boa fama e má fama, que ele no entanto está conseguindo superar.
O auge veio em 2007, quando ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em nome dos milhares de especialistas que compõem o painel reunido pela ONU. Foi no mesmo ano em que se publicou o "Quarto Relatório de Avaliação" (AR4) do IPCC.
Dois anos depois, o AR4 enfrentou um forte questionamento da previsão de que as geleiras do Himalaia se derreteriam até 2035. Reconheceu o erro, mas sua reputação saiu arranhada. Depois veio o escândalo do "climagate": vazaram para a imprensa mensagens eletrônicas entre cientistas do ramo que davam a impressão de conluio entre eles para pintar um quadro mais alarmante sobre o futuro do clima.
Pachauri sobreviveu a tudo isso e comandou o lançamento, no ano passado, do quinto relatório (AR5). Reconhece, porém, que a controvérsia contribuiu para melhorar os controles no IPCC.
Hoje, Pachauri considera que o ímpeto para combater os efeitos da mudança do clima depende menos dos pesquisadores e dos governos centrais e mais dos empresários e governos locais. "Não acredito que um pacto internacional seja o único meio com o qual possamos e devamos combater as mudanças climáticas."
Leia trechos da entrevista que Pachauri deu por escrito após participar de um seminário da Fundação Ford no Rio de Janeiro.
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Folha - Quais são suas expectativas para a cúpula do clima de Paris em 2015? Existem condições econômicas e políticas para os países que mais emitem gases-estufa se comprometerem a fazer reduções significativas?

Rajendra Pachauri - Não posso me pronunciar quanto à Conferência de Paris, mas posso afirmar que as estimativas dos custos da mitigação das emissões de gases-estufa variam muito.

Nos cenários do tipo "business as usual" [mais do mesmo], a economia cresce entre 1,6% e 3% ao ano. A mitigação ambiciosa reduziria esse crescimento em cerca de 0,06 ponto percentual, o que parece um preço muito razoável a pagar. Ademais, as estimativas não levam em conta os benefícios da redução das mudanças climáticas, incluindo o de evitar sofrimento humano incalculável.
Portanto, acho que é um equívoco dizer que um acordo global para combater as mudanças climáticas teria consequências econômicas negativas. Por outro lado, sabemos que quanto mais tempo esperarmos para agir, mais alto será o custo da ação no futuro.

Por que o conjunto impressionante de conhecimentos científicos acumulado pelo IPCC ainda não foi capaz de empurrar tomadores de decisões em todo o mundo na direção da ação efetiva contra a mudança climática?
Alcançar acordos globais quase sempre requer muitos anos, até décadas. Embora eu tivesse preferido contar já há muito tempo com um pacto global com obrigações legais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, não estou surpreso com o ritmo das negociações.
Não acredito que um pacto internacional seja o único meio pelo qual possamos combater as mudanças climáticas. Me sinto encorajado pela consciência crescente de governos locais e empresas de que eles precisam agir a esse respeito. Estados da costa oeste dos EUA e a Colúmbia Britânica [no Canadá], por exemplo, firmaram um pacto para coordenar políticas relativas às mudanças climáticas. E mais empresas estão tomando consciência dos riscos que enfrentam se nada for feito em relação às mudanças climáticas. Quando essa consciência alcançar uma massa crítica --e creio que estamos chegando a esse ponto--, veremos uma poderosa força em favor da ação vinda do setor das empresas.

Um relatório lançado nos EUA, "Risky Business" (negócio arriscado), defende a tomada de ações imediatas contra as mudanças climáticas, usando o raciocínio das seguradoras para convencer líderes empresariais a engajar-se nesse esforço. O senhor acha que esse é o caminho certo para superar a polarização entre os conservadores ("céticos") e progressistas ("crédulos")?
O relatório é uma avaliação séria dos riscos que setores empresariais chaves nos EUA vão enfrentar se não fizermos nada para impedir as mudanças climáticas. A partir do momento em que os empresários compreenderem o custo de não fazer nada, eles podem tornar-se uma força vital em favor de mudanças ao nível governamental.

O sr. considera superada a controvérsia em torno do "Quarto Relatório de Avaliação" (AR4) e suas fontes em artigos que não passaram por revisão científica? Quais são as consequências desse episódio para a reputação do IPCC?
A crítica fez do IPCC uma organização mais forte, aberta. Primeiro, a direção do IPCC promoveu uma conscientização entre os autores com relação ao controle de qualidade de fatos relatados. Em segundo lugar, o processo de revisão foi intensificado. Mais especialistas participaram da revisão de textos provisórios, o número de editores aumentou e seu trabalho foi intensificado. E os governos que constituem o IPCC agora têm mais consciência de suas responsabilidades na garantia de qualidade.
Também é importante observar que a "literatura cinza" [que não passa por revisão científica] é um componente importante dos dados relativos às mudanças climáticas. Ela inclui relatórios de governos, da indústria, de instituições de pesquisa, organizações internacionais e outras como o Banco Mundial, a Agência Internacional de Energia, a OCDE etc.

O sr. está satisfeito com a resposta dada ao mais recente relatório do IPCC pelo público e pelos responsáveis por formular políticas públicas?
A recepção tem sido positiva, ressaltando a distância que o mundo já percorreu entre discutir os aspectos científicos das mudanças climáticas e discutir o que fazer frente a elas.
Existe 95% de probabilidade de a influência humana ter sido a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20. O relatório também chamou a atenção para potenciais soluções para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas.
Precisamos de um diálogo mais robusto sobre como implementar essas soluções.

O ritmo das mudanças climáticas parece ser lento, como indicam as flutuações dos últimos 15 anos. Isso não nos dá tempo suficiente para desenvolver fontes energéticas alternativas e concentrar os esforços de redução de emissões para depois de 2050?
O ritmo das mudanças climáticas não diminuiu. Se você olhar para o sistema climático inteiro, e não só as temperaturas superficiais, o que verá é um aquecimento contínuo e acelerado.
A atmosfera e os oceanos se aqueceram, a quantidade de neve e gelo diminuiu, o nível do mar subiu e as concentrações de gases-estufa aumentaram.
A Organização Meteorológica Mundial confirmou recentemente que 13 dos 14 anos mais quentes da história ocorreram no século 21. A década 2001-2010 foi a mais quente já registrada.
É verdade que o índice de aquecimento superficial entre 1998 e 2012 é mais baixo que o índice desde 1951. Mas pausas como essas já ocorreram no passado, apenas para serem seguidas por elevações de temperatura acentuadas. Portanto, não houve pausa no aquecimento total. Logo, não temos tempo adicional para implementar soluções.
Sabemos que as mudanças climáticas já têm efeito sobre a agricultura, a saúde, os ecossistemas, os recursos hídricos e os meios de subsistência. O aspecto que chama a atenção nos impactos é que estão correndo dos trópicos aos polos, de ilhas pequenas a grandes continentes e dos países mais ricos aos mais pobres. E temos sinais precoces de que o sistema de recifes de corais e o sistema ártico estão passando por modificações irreversíveis. Folha, 10.09.2014.
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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Protocolo de Nagoya: Acordo da biodiversidade valerá em outubro de 2014

Protocolo da ONU atingiu número mínimo de ratificações; Brasil fica de fora de discussão

GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULO
A ONU anunciou que mais de 50 países ratificaram o texto do Protocolo de Nagoya --pacto mundial pela distribuição de lucros e acesso a recursos da biodiversidade.
Com isso, o tratado entrará em vigor a tempo de ter sua primeira rodada de discussões durante a conferência mundial da biodiversidade, que acontecerá outubro, na Coreia do Sul.
O Brasil, porém, apesar de ser o país com a maior biodiversidade do planeta, um dos maiores responsáveis pela aprovação do protocolo, em 2010, e também um dos primeiros a assiná-lo, ficará de fora das negociações sobre os detalhes do documento porque não ratificou o texto. Com isso, o país poderá ver a aprovação de algo que contrarie seus interesses.
Somente os países que já ratificaram o protocolo poderão opinar nos rumos das decisões. A ratificação do Protocolo de Nagoya no Brasil está parada na Câmara há mais de um ano, com as negociações travadas pela bancada ruralista do Congresso, que diz que pode haver prejuízo à agropecuária brasileira.
O objetivo do documento é garantir a divisão justa e equitativa de benefícios --principalmente do dinheiro-- gerado pelo usos dos recursos genéticos e da biodiversidade.
Na prática, seria possível a criação de royalties e outros mecanismos de compensação para o uso de recursos genéticos. O texto, no entanto, não é retroativo, e as medidas só valem para os novos usos desses recursos naturais. Em nota, o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) exaltou os benefícios do protocolo, que "vai promover mais segurança jurídica e transparência". Folha, 16.07.2014

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terça-feira, 8 de abril de 2014

Sob o cerco do mar: Mudança climática fará com que países inteiros desapareçam, deixando milhões de refugiados

Por GARDINER HARRIS
DAKOPE, Bangladesh - Quando uma forte tempestade destruiu sua casa ribeirinha, em 2009, Jahanara Khatun perdeu mais do que um teto. Na sequência, seu marido morreu, e ela ficou tão desamparada que vendeu seus filhos num vínculo de servidão. Khatun agora vive em um barraco de bambu que fica abaixo do nível do mar. Ela passa os dias recolhendo esterco de vaca para usar como combustível e luta para cultivar hortaliças no solo envenenado pela água salgada.
Os climatologistas preveem que essa área será inundada por causa do aumento do nível do mar e pela intensificação das ressacas marítimas. Um ciclone ou outro desastre podem facilmente varrer novamente a sua vida. Khatun faz parte dos milhões de pessoas com os dias contados nesta vasta paisagem de ilhas fluviais, cabanas de bambu, decisões dolorosas e esperanças impossíveis.
A mudança climática já está provocando efeitos em todos os continentes e em todos os oceanos, segundo relatório apresentado em 31 de março por cientistas reunidos em Yokohama, no Japão. Eles alertaram que o problema tende a piorar substancialmente, a menos que as emissões de gases de efeito estufa sejam controladas.
O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, grupo das Nações Unidas, concluiu que as calotas polares estão derretendo, o gelo marinho no Ártico está em colapso, o abastecimento de água está sobrecarregado, ondas de calor e chuvas fortes estão se intensificando, os recifes de corais estão morrendo e os peixes e muitas outras criaturas estão migrando para os polos ou sendo extintos.
Porém, o pior ainda está por vir, disseram os cientistas no segundo de três relatórios que devem influenciar o debate a respeito de um novo tratado climático global no ano que vem. O relatório enfatizou, em especial, o risco considerável ao abastecimento alimentar do planeta -ameaça que pode ter sérias consequências para nações mais pobres.
"Ninguém ficará intocado pelos impactos da mudança climática", disse Rajendra Pachauri, presidente da comissão.
No topo da pauta está a previsão de que o nível global do mar pode subir até um metro neste século. Tal aumento será desigual por causa dos efeitos gravitacionais e da intervenção humana, de modo que prever o seu resultado em qualquer lugar é difícil. Mas nações insulares, como Maldivas, Kiribati e Fiji, podem perder grande parte do seu território, e milhões de bengaleses terão que ser deslocados. "Há muitos lugares no mundo sob risco de elevação do nível do mar, mas Bangladesh está no topo da lista", disse Rafael Reuveny, professor na Universidade de Indiana, em Bloomington. Os efeitos da mudança climática têm levado a um crescente sentimento de indignação nos países em desenvolvimento. Muitos deles sofrerão em cheio as consequências do aumento das temperaturas e do nível do mar, apesar de terem contribuído pouco para a poluição apontada como a causa desses problemas.
Em uma conferência climática em Varsóvia, em novembro, houve uma emotiva manifestação de países que enfrentam ameaças existenciais, entre eles Bangladesh, que produz apenas 0,3% das emissões responsáveis pela mudança climática. Alguns líderes exigiram que os países ricos compensem as nações pobres pelo fato de serem os ricos os maiores poluidores da atmosfera. Alguns dizem que os países desenvolvidos devem abrir suas fronteiras aos migrantes climáticos. "É uma questão de justiça global", disse Atiq Rahman, do Centro de Estudos Avançados de Bangladesh. Deltas fluviais do mundo todo estão particularmente vulneráveis aos efeitos da elevação do nível dos mares, e cidades mais ricas, como Londres, Veneza e Nova Orleans, também enfrentam um futuro incerto.
Bangladesh contribui pouco para a poluição atmosférica, mas sua necessidade de extrair água subterrânea para abastecer a população -já que os rios estão poluídos demais- faz a terra ceder. Assim, enquanto o nível do mar está subindo, as cidades bengalesas estão afundando.
Políticos e cientistas climáticos de Bangladesh concordam que, até 2050, o aumento do nível do mar inundará cerca de 17% do território e obrigará o deslocamento de cerca de 18 milhões de pessoas, segundo Rahman.
Os bengaleses já começaram a se afastar das aldeias mais baixas nos deltas fluviais da baía de Bengala, segundo cientistas.
Grande parte do que o governo de Bangladesh está fazendo para tentar impedir o dilúvio -erguendo diques, dragando canais, bombeando água- agrava a ameaça de inundação a longo prazo, disse John Pethick, ex-professor da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Ele previu que o mar pode subir até quatro metros em Bangladesh até 2100, aumento que teria consequências desastrosas num país onde quase um quarto do território está menos de dois metros acima do nível do mar.
"Precisamos de uma solução regional e global", disse Tariq Karim, embaixador de Bangladesh na Índia. "E, se não conseguirmos uma logo, o povo de Bangladesh em breve vai se tornar um problema do mundo, porque não seremos capazes de contê-lo."
Karim estimou que 50 milhões de bengaleses poderão fugir do país até 2050, se o nível do mar subir conforme o esperado.
Os sinais de erosão já estão por toda parte no delta do Ganges -o maior delta do mundo, que drena grande parte da água proveniente do Himalaia. Alicerces de tijolos estão partidos ao meio, palmeiras crescem no meio dos rios e um gado esquálido pasta em poucas centenas de metros quadrados. Os campos estão polvilhados de sal.
Alguns cientistas acreditam que o aumento das temperaturas levará a condições climáticas mais extremas em todo o mundo, incluindo ciclones mais fortes e mais frequentes na baía de Bengala. A elevação dos mares vai tornar qualquer tempestade mais perigosa, porque as áreas baixas ficarão mais expostas a inundações.
Bangladesh criou um sistema de alerta e construiu pelo menos 2.500 abrigos de concreto contra tempestades, melhorias que reduziram o número de mortes relacionadas a tormentas. Enquanto o ciclone Bhola matou mais de 550 mil pessoas em 1970, o ciclone Aila, em 2009, deixou 300 mortos.
Quando o Aila chegou, Khatun estava em casa com seu marido, seus pais e quatro filhos. Um caminho à beira do rio, a poucos metros da sua casa, desmoronou, e a cabana da família foi levada embora em questão de minutos. Khatun colocou seu filho mais novo nas costas e, com o marido, lutou contra a enxurrada até chegar a uma estrada mais elevada. Seus pais foram arrastados. "Depois de mais ou menos um quilômetro, consegui agarrar uma árvore", disse Abddus Satter, pai de Khatun. "E consegui ajudar minha mulher a se agarrar também."
Toda a família se reuniu na estrada no dia seguinte, depois de as crianças passarem uma noite angustiante evitando as cobras, que também haviam procurado um lugar mais alto. Eles beberam a água da chuva até que as equipes de resgate chegassem. Essa provação teve um efeito sobre o marido de Khatun, cuja saúde se deteriorou.
Para pagar o tratamento dele e o custo de reconstruir a cabana, a família pegou dinheiro emprestado de um agiota. Em troca, Khatun e seus três filhos mais velhos, então com 10, 12 e 15 anos, prometeram trabalhar em uma olaria. Um ano depois, para pagar dívidas, ela vendeu outros dois filhos por US$ 450 para o proprietário de outra olaria. Seu marido morreu quatro anos depois da tempestade.
Em uma entrevista, um dos filhos dela, Mamun Sardar, agora com 14 anos, disse que trabalha de sol a sol levando tijolos até o forno da olaria. Ele disse que sentia saudades da mãe, "mas ela mora muito longe".
FIJI
Tal como Kiribati, seu vizinho no Pacífico, Fiji está vendo os efeitos do avanço marítimo, e o governo já começou a realocar moradores das ilhas exteriores do arquipélago e das áreas costeiras de baixa altitude para o interior da ilha principal. Moradores foram retirados da aldeia costeira de Vunidogoloa depois que a água salgada arruinou o solo para cultivo.
As autoridades também estão investindo em outras medidas de adaptação: estão construindo usinas de dessalinização e tanques de água em ilhas vulneráveis do norte do país e continuam fazendo planos para realocar pessoas.
Ao mesmo tempo, Fiji reconhece que a sua situação não é tão terrível quanto a de nações como Kiribati e Tuvalu, que, segundo os cientistas, provavelmente irão desaparecer até 2100. O presidente de Fiji, Ratu Epeli Nailatikau, disse que vai acolher as populações em fuga desses países, um gesto que poderá sobrecarregar os recursos e o território fijianos, também em declínio.
PANAMÁ
O arquipélago de San Blas, com mais de 350 ilhas de areias brancas salpicadas por toda a costa caribenha do Panamá, é há milênios o lar do povo kuna. Agora, a elevação do nível do mar e as ressacas mais fortes estão inundando suas aldeias. Cientistas do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais estimam que o nível do mar em torno das ilhas esteja subindo cerca de dois centímetros por ano e que as ilhas estarão submersas dentro de 20 a 30 anos.
O governo está desenvolvendo um plano para transferir os kunas para o continente, mas esse grupo desconfia do governo, e muitos estão resistindo à proposta.
"O governo do Panamá reconhece que muitas das pessoas não querem ser transferidas", disse Scott Leckie, da organização Displacement Solutions, de Genebra, que trabalha com pessoas desabrigadas pela mudança climática. "Quanto mais jovem é a pessoa, mais propensa está a aceitar a mudança. As pessoas com mais condições físicas e mais formação se mudam primeiro. As mais doentes, as mais velhas, as mais fracas e as mais incapacitadas -as menos dispostas a se mudarem- serão as deixadas para trás."
Regiões ameaçadas Algumas áreas do globo estão especialmente vulneráveis à elevação do nível dos mares. À medida que a terra recua sob o avanço das águas, as pessoas se veem obrigadas a tomar difíceis decisões. Os governos enfrentam os vultosos custos da construção de quebra-mares e da transferência de populações ameaçadas -em alguns casos, precisando encontrar novos lares para nações insulares inteiras.
ESTADOS UNIDOS
Embora os mares estejam subindo no mundo todo, o fenômeno não ocorre em ritmo igual no planeta inteiro. Um estudo de 2012 do Departamento de Pesquisas Geológicas dos EUA concluiu que o nível do mar na Costa Leste aumentará três ou quatro vezes mais rapidamente do que na média global no próximo século. Enquanto na média global a estimativa seja de que o nível do mar suba um metro até 2100, na costa atlântica dos EUA a elevação pode chegar a dois metros. O estudo cita Boston, Nova York e Norfolk (Virgínia) como as áreas metropolitanas mais vulneráveis.
Outro estudo mostrou que uma elevação ligeiramente inferior a meio metro já exporia imóveis num valor de US$ 6 trilhões a inundações litorâneas nas regiões de Baltimore, Boston, Nova York, Filadélfia e Providence (Rhode Island). Isso gera enormes dúvidas sobre o destino do porto de Boston, onde os incorporadores vêm investindo milhões em projetos de construção.
Os urbanistas anteveem um futuro em que ressacas inundarão enormes faixas de Boston. Eles desenvolveram um plano de ação climática descrevendo como a cidade pode se preparar melhor para o desastre.
Miami está construída sobre uma porosa fundação de calcário, na costa sul da Flórida, o que a torna extremamente vulnerável à elevação do nível do mar, segundo um esboço da Avaliação Climática Nacional feito pelo governo federal em 2013. Como o gelo do Ártico continua a derreter, as águas nos arredores de Miami podem subir mais do que meio metro até 2060, de acordo com um relatório do Compacto Regional do Sudeste da Flórida para a Mudança Climática.
Os moradores dizem que já estão sofrendo efeitos com a inundação de ruas e sistemas de esgoto. O calcário poroso cria uma ameaça ímpar, já que a água do mar se infiltra pelas fundações da cidade.
"Você não está necessariamente recebendo água que transborda sobre uma barreira -em vez disso, ela está se drenando pelo calcário e subindo pelos bueiros", disse Leonard Berry, codiretor da Iniciativa para as Mudanças Climáticas da Universidade Atlântica da Flórida. "Isso já está acontecendo."
Um estudo do Departamento de Transportes da Flórida concluiu que, nos próximos 35 anos, o aumento do nível do mar pode danificar estradas vicinais na região de Miami e que, a partir de 2050, as principais rodovias litorâneas também sofrerão inundações significativas e ficarão deterioradas, à medida que o calcário sob elas ficar saturado e se desmanchar.
NYT, 08.04.2014
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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Impactos mais graves no clima do país virão de secas e de cheias: Brasileiros em painel da ONU dizem que país precisa se preparar para problemas opostos em diferentes regiões

Para cientistas do IPCC, apesar de nações pobres serem menos estudadas que as ricas, projeções têm boa confiabilidade
GIULIANA MIRANDAENVIADA ESPECIAL AO RIO
As previsões regionais do novo relatório do IPCC (painel do clima da ONU) aponta como principais efeitos da mudança climática no país problemas na disponibilidade de água, com secas persistentes em alguns pontos e cheias recordes em outros.
Lançado anteontem no Japão, o documento do grupo de trabalho 2 do IPCC dá ênfase a impactos e vulnerabilidades provocados pelo clima ao redor do mundo. Além de listar os principais riscos, o documento ressalta a necessidade de adaptação aos riscos projetados.
No Brasil, pela extensão territorial, os efeitos serão diferentes em cada região.
Além de afetar a floresta e seus ecossistemas, a mudança climática deve prejudicar também a geração de energia, a agricultura e até a saúde da população.
"Tudo remete à água. Onde nós tivermos problemas com a água, vamos ter problemas com outras coisas", resumiu Marcos Buckeridge, professor da USP e um dos autores do relatório do IPCC, em entrevista coletiva com outros brasileiros que participaram do painel.
Na Amazônia, o padrão de chuvas já vem sendo afetado. Atualmente, a cheia no rio Madeira já passa dos 25 m --nível mais alto da história-- e afeta 60 mil pessoas.
No Nordeste, que nos últimos anos passou por secas sucessivas, as mudanças climáticas podem intensificar os períodos sem chuva, e há um risco de que o semiárido vire árido permanentemente.
Segundo José Marengo, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos autores principais do documento, ainda é cedo para saber se a seca persistente em São Paulo irá se repetir no ano que vem ou nos outros, mas alertou que é preciso que o Brasil se prepare melhor.
MITIGAR E ADAPTAR
O IPCC fez previsões para diferentes cenários, mas, basicamente, indica que as consequências são mais graves quanto maiores os níveis de emissões de gases-estufa.
"Se não dá para reduzir as ameaças, precisamos pelo menos reduzir os riscos", disse Marengo, destacando que, no Brasil, nem sempre isso acontece. No caso das secas, a construção de cisternas e a mobilização de carros-pipa seriam alternativas de adaptação. Já nos locais onde deve haver aumento nas chuvas, a remoção de populações de áreas de risco, como as encostas, seria a alternativa.
Carolina Dubeux, da UFRJ, que também participa do IPCC, afirma que, para que haja equilíbrio entre oferta e demanda, é preciso que a economia reflita a escassez dos recursos naturais, sobretudo em áreas como agricultura e geração de energia.
"É necessário que os preços reflitam a escassez de um bem. Se a água está escassa, o preço dela precisa refletir isso. Não podemos só expandir a oferta", afirmou.
Neste relatório, caiu o grau de confiança sobre projeções para algumas regiões, sobretudo em países em desenvolvimento. Segundo Carlos Nobre, secretário do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, isso não significa que o documento tenha menos poder político ou científico.
Everton Lucero, chefe de clima no Itamaraty, diz que o documento será importante para subsidiar discussões do próximo acordo climático mundial. "Mas há um desequilíbrio entre os trabalhos científicos levados em consideração pelo IPCC, com muito mais ênfase no que é produzido nos países ricos. As nações em desenvolvimento também produzem muita ciência de qualidade, que deve ter mais espaço", disse.
Folha, 02.04.2014

terça-feira, 1 de abril de 2014

Documento da ONU adverte que metas de redução de emissões não serão alcançadas


terça-feira, 1 de abril de 2014 12:44 BRT
 
Por Alister Doyle
OSLO, 1 Abr (Reuters) - O mundo vai precisar de restrições muitos mais severas aos gases do efeito estufa, tanto por parte de países desenvolvidos como das economias emergentes, para evitar que o aquecimento global ultrapasse o teto da meta, de acordo com o rascunho de um relatório da ONU.
Países desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos, teriam de reduzir as emissões pela metade até 2030 em relação aos níveis de 2010 para limitar o aquecimento em até 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, de acordo com o relatório preliminar obtido pela Reuters.
A Ásia, que inclui a China e a Índia, teriam de limitar as emissões para os níveis de 2010 até 2030, como parte de uma divisão global, um objetivo difícil para países que afirmam ser necessária a queima de mais combustíveis fósseis para ajudar a acabar com a pobreza.
"A estabilização das concentrações de gases de efeito estufa exigirá transformações em larga escala nas sociedades", afirma o capítulo 6 do relatório produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) que deve ser divulgado em Berlim, em meados de abril.
A maioria dos governos não está planejando restrições tão rigorosas, temendo que sejam economicamente incapacitantes. As temperaturas estão em vias de exceder o limite máximo, definido por cerca de 200 nações em 2010, de até 2 graus Celsius acima da época pré-industrial.
Mesmo assim, as restrições marcam uma mudança no debate sobre mudanças climáticas, que tem se concentrado mais em países emissores ricos.
"As implicações para todos os grandes emissores são rigorosas", disse Alden Meyer, Union of Concerned Scientists. "Todos eles têm agora algo com o que se preocupar". Como outros entrevistados, ele ainda não teve acesso ao relatório.
Os países em desenvolvimento têm frequentemente citado o relatório anterior do IPCC, de 2007, segundo o qual nações industrializadas deveriam reduzir emissões para entre 25 e 40 por cento abaixo dos níveis de 1990 até 2020. O documento não contém metas tão claras para países emergentes.
As reduções em países ricos estão muito aquém do 25 a 40 por cento. A União Europeia, com os planos mais ambiciosos entre os países desenvolvidos, está considerando cortes de 40 por cento abaixo dos níveis de 1990 até 2030.
O relatório de Berlim para uma solução da questão das mudanças climáticas vem após um relatório do IPCC sobre os impactos do aquecimento divulgado no Japão na segunda-feira que afirma que o mundo está, em muitos casos, mal preparado para mudanças graves e talvez irreversíveis.