terça-feira, 26 de novembro de 2013

Conferência do clima chega a acordo fraco: Reunião da ONU com quase 200 nações na Polônia conclui que ricos e pobres devem 'contribuir' para corte de emissões

Palavra 'compromisso' ficou de fora do documento final por divergências entre países ricos e pobres
GIULIANA MIRANDAENVIADA ESPECIAL A VARSÓVIA
Após estourar em um dia o prazo de encerramento, a 19ª conferência mundial do clima da ONU, em Varsóvia, terminou ontem com os ânimos exaltados.
A expectativa para a reunião era a definição de alguns pontos do futuro acordo internacional com metas de redução de emissões de gases-estufa, a ser assinado em 2015, na conferência do clima que será realizada em Paris.
O texto aprovado, criticado por ambientalistas por falta de ambição, tem informações básicas sobre os passos seguintes até o novo acordo mundial do clima, que deve começar a valer em 2020, em substituição ao Protocolo de Kyoto.
Um dos pontos mais significativos do texto de Varsóvia foi a menção, ainda que vaga, de uma data para a apresentação de "contribuições" para redução de emissões de gases-estufa. O documento estabelece que os países que "estiverem prontos" devem apresentar contribuições no primeiro trimestre de 2015.
O que é exatamente "estar pronto"? O texto não diz.
E o uso da palavra "contribuição" em vez de "compromisso" --troca feita após um impasse entre países ricos e em desenvolvimento-- dá margem para que se continue com a divisão de responsabilidades entre as nações, como acontece no acordo atual.
Para muitas nações em desenvolvimento, a responsabilidade pela redução de emissões deveria recair mais sobre nações ricas, levando em conta o histórico de poluição.
Os 195 países participantes concordaram também com a criação de um mecanismo para ajudar as nações mais pobres a lidarem com perdas e danos causados pelo aquecimento global.
"Avançamos em pontos importantes. O fato de termos um acerto para esses momentos que vão anteceder 2015 [a assinatura do novo acordo] é muito bom", avaliou o negociador-chefe do Brasil, José Marcondes de Carvalho.
BRASIL
A definição de regras para o financiamento da preservação de florestas, acertado na sexta-feira, foi considerada uma vitória para o Brasil. O país é um dos potenciais grandes beneficiados do acordo --só em uma negociação bilateral com a Noruega, o Brasil já tem US$ 1 bilhão acertado.
A grande proposta brasileira --que foi adotada pelos principais países em desenvolvimento (G77) e pela China--, de criação de uma metodologia para avaliar a responsabilidade de cada país para o aquecimento global, foi barrada pelas nações ricas mas, segundo os negociadores, tem chances de ressuscitar em debates futuros.
POLÊMICAS
As duas semanas de conferência tiveram protestos e surpresas. A dois dias do fim da COP, ONGs ambientalistas se retiraram do evento em protesto contra insuficiência de esforços nas negociações, em uma saída em massa sem precedentes desde que os encontros internacionais começaram, há 19 anos.
Houve ainda a greve de fome do negociador-chefe das Filipinas, para pressionar por ações concretas para ajudar os países mais atingidos pelo aquecimento global, e a demissão do presidente da COP do cargo de ministro do Meio Ambiente da Polônia.
Durante a segunda semana de conferência do clima, Varsóvia sediou também um congresso da indústria do carvão, alvo de mais protestos dos ambientalistas.

Mudanças Climáticas: Descaso ameaça produção de alimentos

ENSAIO - JUSTIN GILLIS
Para ter uma visão do que a mudança climática poderá causar ao suprimento alimentar no mundo, considere o que aconteceu na Europa em 2003, depois que uma onda de calor cortou a produção de algumas colheitas em até 30% e fez os preços dispararem.
Vários pesquisadores concluíram que a onda de calor europeia se tornou mais provável devido à mudança climática causada pelos seres humanos. Os cientistas ainda discutem sobre um período de calor e seca em 2012 nos EUA que reduziu a safra de milho. Sejam quais forem suas origens, ondas de calor como essas nos dão uma prova do que pode nos aguardar no futuro com o aquecimento global.
Entre os que estão ficando nervosos, há pessoas que passam a vida pensando de onde virá nossa comida. "Os impactos negativos da mudança climática global sobre a agricultura só deverão piorar", disse um relatório feito no início deste ano por pesquisadores da Escola de Economia de Londres e um grupo de pensadores de Washington, a Fundação para a Tecnologia da Informação e Inovação. O relatório citou a necessidade de "colheitas e sistemas de produção agrícola mais resistentes do que os que possuímos hoje no mundo".
Esse talvez seja o maior temor isolado em relação ao aquecimento global: que a mudança climática possa desestabilizar de tal modo o sistema alimentar do mundo que haja o aumento da fome ou até a penúria em massa.
O esboço de um relatório vazado da comissão do clima da ONU, conhecida como Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática, sugeriu que as preocupações do grupo aumentaram e que esse relatório, marcado para lançamento em março em Yokohama, Japão, provavelmente incluirá uma firme advertência sobre os riscos ao abastecimento alimentar.
O tom é notadamente diferente do de um relatório do mesmo grupo de 2007, que discutia alguns riscos, mas via o aquecimento global como algo que provavelmente beneficiaria a agricultura em importantes regiões de plantio.
Desde então, novas pesquisas contiveram essas suposições.
Um grupo de cientistas desenvolveu maneiras mais sofisticadas de analisar a relação entre a agricultura e o clima. Seu trabalho sugere que o aumento do calor em algumas áreas de plantação já está causando uma redução da produção, e cresce a possibilidade de efeitos muito mais sérios conforme o aquecimento global continua.
Os cientistas há muito tempo esperavam que o efeito do calor e da água sobre as colheitas pudesse ser compensado pelo o que gera o aquecimento global: o aumento acentuado de dióxido de carbono no ar. Esse gás é o principal suprimento alimentar para as plantas, e um grande corpo de evidências sugeria que o aumento atual de CO2 poderia incentivar a produção das colheitas.
Mas muitas dessas evidências vieram de testes em ambientes artificiais como estufas. Cientistas mais jovens, que insistiram em testar as colheitas em condições naturais, mais parecidas com o mundo real, descobriram que o aumento da produção, embora real, não era tão grande quanto se esperava e talvez não fosse suficiente para compensar os outros estresses do aquecimento global.
O maior temor alimentar deste século ocorreu em 2007 e 2008. Vários anos de produção agrícola ineficiente, causados em parte por extremas condições climáticas, chocaram-se com a demanda crescente. Os preços dos principais cereais mais que duplicaram, países inteiros fecharam a porta das exportações alimentícias, houve pânico de compras em muitos mercados e tumultos em mais de 30 países.
A boa notícia é que a agricultura tem uma tremenda capacidade de se adaptar a novas condições, incluindo um clima mais quente. As colheitas podem ser plantadas mais cedo e novas variedades mais resistentes ao estresse climático podem ser desenvolvidas.
Mas especialistas dizem que a pesquisa necessária para fazer tudo isso acontecer está recebendo pouco estímulo. "Sucessos do passado na agricultura deram uma falsa sensação de segurança a muitos dos que estão em cargos de decisão", disse L. Val Giddings, membro adjunto do grupo de pensadores de Washington e coautor de seu relatório. "Faz muito tempo desde que algum deles realmente sentiu fome."
Fonte: NYT, 26.11.13.