terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Reino Unido corre risco de afundar: Ambiental e politicamente

INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN
Afundando e encolhendo
LONDRES
Não é difícil, hoje em dia, imaginar a Grã-Bretanha como um pedacinho de terra inundado que se equilibra no mar do Norte, reduzido a um resto pela secessão da Escócia, separado da Europa por ter saído da União Europeia, governado por autoridades freneticamente lançando decretos sobre "saúde e segurança" e percorrido de alto a baixo por um príncipe dando declarações de que "nada como um bom desastre para levar as pessoas a tomar uma atitude".
Talvez até mesmo essa visão seja generosa demais. Como o satirista Peter Cook já disse certa vez, essas ilhas "podem estar prestes a afundar no mar, ainda dando risadinhas afetadas". Ainda não avançamos muito em 2014, mas já é o suficiente para que tenha se tornado quase impossível levar o Reino Unido a sério. O centro financeiro do mundo está virando o centro aquático do mundo, e sua principal atração é um navio de tolos.
Ao leme do navio está David Cameron, o premiê, que parece ter acabado de despertar de um sono prolongado e descoberto que uma grande parte de Somerset está debaixo d'água há mais de um mês; que a inundação do Tâmisa se aproxima de Londres; que sua Agência do Meio Ambiente é alvo de zombaria, comandada por um homem que é ironizado mesmo em seu próprio partido, o Conservador; que, não surpreendentemente, os escoceses, após 307 anos como parte da União, estão pensando em sair dela. Durante semanas, a inundação da região conhecida como Somerset Levels, planície costeira no sudoeste da Inglaterra, foi quase ignorada pelo governo.
Quando autoridades compareciam à região, pareciam estar mais preocupadas com infrações dos regulamentos de saúde e segurança cometidos devido ao encanamento improvisado feito por algumas pessoas ou por seu uso de canoas do que com o próprio desastre. O que se vê aqui é algo que remete à debacle do furacão Katrina. Chris Smith, presidente da Agência do Meio Ambiente, virou o Michael Brown britânico.
Brown foi o diretor da resposta a desastres nos EUA, a quem, numa frase que ficaria famosa, o presidente George W. Bush disse: "Brownie, você está fazendo um trabalho fantástico". Brown pediu demissão pouco depois. O trabalho que ele tinha feito quando se viu diante da devastação em Nova Orleans foi um fiasco. É razoável imaginar que os dias de Chris Smith também estejam contados.
David Cameron foi humilhado. Smith diz que sabe "cem vezes mais" que os políticos sobre como lidar com inundações. Mesmo assim, seus conhecimentos foram inadequados. Cada desastre requer um bode expiatório, e Smith é a bola da vez. Para seu crédito, ele deu mostras de senso de humor quando lhe foi perguntado a quem atribui a culpa pela confusão: "Ao tempo", respondeu sem hesitar. Enquanto isso, tudo, desde o aquecimento global até a ira de Deus, vem sendo evocado como causa de uma das temporadas mais chuvosas vistas desde que a Escócia passou a fazer parte do Reino Unido, em 1707.
Falando nisso, Alex Salmond, líder do Partido Nacional Escocês e da campanha pela independência da Escócia, adora retratar Cameron como um figurão arrogante, fora de contato com a vida e as preocupações do povo comum. Seu argumento foi reforçado pela reação incompetente do governo às inundações. Sondagens recentes indicam que a disputa no referendo será acirrada. "Queremos que vocês fiquem", suplicou Cameron em discurso recente, dizendo que o Reino Unido será "profundamente reduzido" sem a Escócia. A ideia de que a nação seja reduzida em relação a seu estado atual é assustadora.
Mas os escoceses olham para Cameron e ficam perplexos. Eles são por maioria avassaladora favoráveis à União Europeia, em relação à qual o premiê demonstra ambiguidade fatal, possivelmente abrindo a porta para a saída do Reino Unido da UE. É desnecessário dizer que o Reino Unido com sua União intacta e ainda como parte da Europa seria a melhor chance de a nação prosperar e ter influência no século 21.
A pequena Inglaterra ficaria realmente muito pequena sem a Escócia e divorciada de seus parceiros europeus. Cameron carregaria a responsabilidade, mas pode governar eternamente porque, na ausência da Escócia, as chances de uma vitória trabalhista serão mínimas. Nesse momento, a única alternativa ao país será dar uma risadinha afetada e se preparar para afundar.